A extrema relevância da omissão nos crimes ambientais e o ônus da prova.
A Lei Federal n.º 9.605, batizada de Lei de Crimes ambientais e apelidada de “Lei da Vida”, desempenhou papéis fundamentais perante a legislação ambiental brasileira. Em primeiro lugar, uniu num só diploma legal o que anteriormente era pulverizado em diversas leis, muitas vezes desconhecidas dos intérpretes e aplicadores do direito. Basta reportarmo-nos aos dispositivos de caráter criminal por ela revogados presentes no Código Florestal, vigente à época de sua entrada em vigor, na Lei de Proteção à Fauna Silvestre e na Política Nacional de Meio Ambiente.
O fundamento constitucional do diploma legal citado se encontra no parágrafo 3º do artigo 225 da Carta Magna. Restou, nesse dispositivo, constitucionalmente assentado que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas (…)”.
A leitura do texto constitucional nos leva a absorver que o constituinte legou ao legislador ordinário a tarefa de implementar comandos normativos que lastreassem a atividade do Poder Público no sentido de proteger o meio ambiente como um sistema interligado e equilibrado na forma como ele foi definido na Política Nacional de Meio Ambiente, e não da forma pontual e ineficaz como era antes da entrada em vigor desta lei.
Cumpre ainda salientar que esta lei não apenas estabeleceu que condutas seriam consideradas como crimes ambientais ou infrações administrativas, mas também procedeu a uma adaptação legal dos dispositivos gerais do Código Penal Brasileiro para que a forma de aplicação das penas previstas para os crimes lá estabelecidos – e as condicionantes para os benefícios existentes na Lei Penal brasileira – não tornassem inócuos seus dispositivos. Evitou-se, assim, que recaísse sobre o meio ambiente, mais uma vez, os efeitos devastadores da irresponsabilidade humana.
A prática forense demonstra, todavia, que certos detalhes expressamente previstos na lei devem ser plenamente dominados pelos causídicos para fins de efetivação de uma verdadeiramente competente defesa técnica. É fundamental que o defensor constituído domine essas nuances e as aplique ao longo da instrução processual.
O segundo artigo da lei estabelece a forma de se identificarem os sujeitos ativos do crime ambiental, ou seja, os responsáveis diretos pelo acontecimento danoso ao meio ambiente, aqueles cuja ação deu causa à ocorrência do crime ambiental, verbis:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. (Os grifos não são do original)
Inicialmente, todo aquele que, de alguma forma, contribui de forma real para a ocorrência de um crime ambiental, deverá ser punido por isso, respeitado o grau de culpa suportada sobre tal acontecimento.
Em virtude da concepção moderna da questão ambiental e do atual estágio de avanço tecnológico de nossa sociedade, temos que as atividades desenvolvidas em caráter empresarial estão dentre os mais destacados fatores de desequilíbrio ambiental por ocorrência de danos que podem ser tipificados como crimes ambientais. Nessa linha de raciocínio, o legislador inclui como partícipe ou coautor do crime ambiental todo aquele que detém, de alguma forma, poder gerencial na hierarquia interna das pessoas jurídicas (gerente, preposto, mandatário, diretor, membro de conselho, auditor, etc.), adquirindo verdadeiro dever jurídico de coibir condutas antiambientais e se omite no dever de impedir a ocorrência do evento danoso. É o que chamamos de extrema relevância da omissão nos crimes ambientais.
Todavia, é também expressamente previsto na legislação uma singela, porém importantíssima e inafastável, condição para que se materialize a responsabilidade dos administradores e afins em caos de omissão: A ciência da conduta criminosa de seu subordinado ou pessoa submetida à sua influência.
Em não se comprovando esse considerável detalhe, ou seja, que de alguma forma foi cientificado o acusado da conduta antijurídica de outrem, não há que se falar em condenação por crime ambiental na forma da 2ª parte do caput do artigo 2º da Lei de Crimes Ambientais.
É importante ainda destacar que tal ciência não pode ser presumida, deve ser desde o início da instrução provada pelo autor da ação penal. Cabe à defesa técnica, nesse ponto, buscar, ainda que limitadas as formas de provar fato negativo, elementos que demonstrem a ausência de conhecimento do comportamento e conduta de outras pessoas internas ao funcionamento da estrutura empresarial.